15
2017
Desmilitarização das polícias?
* Por Irlando Oliveira
Temos analisado alguns artigos e notícias veiculados pela Internet, os quais suscitam a possibilidade da desmilitarização das polícias. Uns pontuam a formação rígida dos policias, a qual não coaduna com o mister policial-militar, ante a sua missão no seio da sociedade; outros sinalizam o excesso do rigor dos seus pilares básicos: hierarquia e disciplina, que reflete “negativamente” na prestação do serviço público. Na visão desses “ciosos” observadores, percebemos que inúmeros aspectos por eles identificados são, em muitas das vezes, em razão de atrelarem as Polícias Militares à ditadura militar, instalada no país através do “Golpe Militar” de 1964, se estendendo aos idos de 1985.
Sem querer aqui avaliar o período do regime político militar, sentimo-nos excessivamente tranquilos em asseverar que o mesmo deixou-nos saudades, pois naquela época não se via o caos – em todos os sentidos e nas várias áreas de trabalho – em que hoje o país se encontra imerso! O problema da segurança pública no Brasil vai muito além das conjecturas ideológicas derredor da desmilitarização das polícias. O nosso é um modelo no mínimo anacrônico, que enseja naturalmente a ineficiência do serviço prestado na seara de uma pasta tão importante e complexa, que tanto tem impactado o tecido social: segurança pública.
Como já tivemos a oportunidade de escrever, o fluxo processual penal perpassa por algumas fases, que vai desde a ocorrência policial até o julgamento; e entre uma dessas fases ocorre a interrupção de tal fluxo, em muitas ocasiões, considerando a falta de subsídios fundamentais para a instauração do devido inquérito policial, o qual vai balizar a análise por parte do Ministério Público. E essa interrupção tem sido constatada nas fases que envolvem as nossas polícias: Militar e Civil. Tal fato se dá em razão de ambas terem missões distintas, já que à militar cabe a manutenção e a preservação da ordem pública, através do policiamento ostensivo, fardado, enquanto que a civil cabe o exercício da polícia judiciária, investigativa. Disso certamente resulta a discussão tão em voga na atualidade acerca do ciclo completo de polícia, naturalmente como forma de se buscar otimizar a atuação policial e o seu desfecho para instâncias outras de apreciação do mérito.
Por outro lado, há de se considerar, também, a falta de celeridade na fase de julgamento, já que, assim como as polícias, o Ministério Público e o Judiciário têm suas dificuldades. Desta forma, pensar na desmilitarização das polícias como forma de se melhorar a segurança pública no Brasil é se tentar camuflar uma gama de falhas no processo como um todo, cuja solução não é simplória, já que tende a alterar toda a estrutura e o modelo atual. O fato de termos uma polícia militarizada, diferentemente do que alguns pensam, só reforça a certeza e o entendimento de que, através dos princípios do militarismos, poderemos não apenas prestar um serviço de excelência à sociedade brasileira – como já o temos feito, mesmo com todas as dificuldades -, mas também cumprirmos fiel e rigorosamente a nossa missão constitucional.
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* Irlando Lino Magalhães Oliveira é Oficial da Polícia Militar da Bahia, no posto de Major do QOPM, atual Comandante da 46ª CIPM/Livramento de Nossa Senhora, e Especialista em Gestão da Segurança Pública e Direitos Humanos.
Bom texto, Major Iranildo. Sabemos o quanto é complexo o sistema de segurança pública do nosso país. Culpar a polícia militar é realmente um equívoco. Como o senhor mesmo disse, a fase de julgamento protagonizada pelo MP e pelo Judiciário estão em enorme crise. Isso ocorre desde o inquérito, passando pela fase processual e chegando à execução, prova disso é a convulsão do sistema penitenciário que não é novidade para ninguém. Os números são a verdadeira comprovação: em 1994 haviam 90 mil pessoas presas no Brasil, vinte anos depois, em 2014, esse número chegou a aproximadamente 600 mil presos, um crescimento de mais 500%. E para piorar a situação, existe um déficit de 200 mil vagas nas penitenciárias. Nosso estado, por exemplo, é, proporcionalmente, o estado membro que menos prende, contava recentemente, conforme dados da DPE-BA, com 15 mil presos.
As polícias ostensivas e investigativas têm sim suas parcelas de culpa. Semana passa assisti a uma palestra proferida por um bacharel em direito e com formação militar na Academia Militar de Agulhas Negras (AMAN), fiquei surpreso com o seu relato. Segundo ele, na referida academia, por sinal a mais renomada do país, ele foi treinado para matar, para guerra; e não para prender, revistar e abordar os cidadãos nas ruas. E isso passa pelo exército e tem resquícios na própria polícia militar.
Creio que essas correntes que pedem a desmilitarização da polícia sabem que é um verdadeiro exagero propagar teorias abolicionistas – como o abolicionismo penal do holandês Louk Hulsman – que não passam de verdadeiras utopias. Como exemplo, a greve da polícia no Espírito Santo foi um verdadeiro caos social, parecia o “estado de guerra” em que Thomas Hobbes referiu-se em Leviatã, lá no século XVII. O episódio ocorrido no ES necessitou da atuação do exército, responsável pela segurança externa; fato que é impensável em países como os Estados Unidos. E como o senhor mesmo disse em um outro texto, estamos carentes de civilidade, de valores éticos e morais tão necessários à paz e a harmonia social.
Nesse contexto, deve-se haver um projeto a longo prazo que possa rever a forma em que as polícias ostensiva e investigativa atuam em nosso país. Ou melhor, todo o sistema penal brasileiro deve ser revisto com perspectivas para longo prazo, como nos países desenvolvidos. O investimento na educação é a melhor forma de fazer a população adquirir princípios éticos e valores de civilidade.
Para o iluminista e pré-clássico Cesare Beccaria, que teve grande contribuição para o fim dos sistemas cruéis do antigo regime; quanto mais pessoas conhecem as leis, mais ela será respeitada. O referido pensamento reforça a necessidade do investimento na educação (creio que o ensino nas escolas da Constituição Federal e de discussões que propiciariam às pessoas um melhor entendimento dessas situações certamente seria uma forma de nossos jovens serem menos “reféns” do poder persuasivo da grande mídia).
Por fim, discordo quando o senhor afirma que o período de ditadura militar deixou saudades. Não sei se foi realmente um período sem caos, a história nos mostra as formas e o preço em que essa “tranquilidade” foi conquistada. O Ato Institucional n° 5 de 13 de dezembro de 1968 é o maior exemplo. Para se conseguir a paz e a tranquilidade é necessário suprimir-se os direitos e garantias individuais, como intervir nos estados e municípios; cassar mandatos parlamentares; suspender, por dez anos, os direitos políticos de qualquer cidadão; e suspender a garantia do habeas-corpus? Será que é necessário desrespeitar os direitos fundamentais para conseguir sair do caos?
É bem mais governar como na ditadura, sendo que a organização político-administrativa colocada na Constituição foi a de Estado Federal, contudo na prática havia o Estado Unitário, existindo assim uma centralização administrativa.