jul
21
2016

O Homem e o Carro de bois

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Voltando nas linhas escritas pelo meu insignificante tempo, na mágica adolescência dos meus pueris dias, também no começo da abominável velhice que ora deseja me devorar e que já me observa de perto com seus olhos de fera indomada, recordo-me da figura do meu ilustre carro de bois. No alvorecer da minha existência, o carro ainda me pertencia, contudo agora não era eu mais a guiá-lo pelas estradas de terra do meu querido Sertão. Deixei minha fazenda na Lagoa do Mato e me meti em uma residência na primeira Praça da cidade, nada foi por acaso, deste ponto poderia observar e ouvir meu querido veículo apontar para a feira do sábado ainda no cume da ladeira ao leste. Na madrugada, galos ainda mudos, uma quietude de cemitério, de repente, um corte suave e fagueiro no ar. Estava em jubilo, contente, não mais conseguia pregar os olhos, ouvia aquele canto do eixo a arranhar os chumaços e os coçãos. A cada minuto corrido, o som se imprimia mais e mais forte a meus tímpanos. Levantava, abria a janela, observava a alvorada vivamente, as bandas do Rio fresca do frescor da noite ainda na penumbra era uma incógnita gostosa a meu delírio. Os galos ao reconhecer o som logo se tratavam de encorpar a afinada orquestra, alguns cães, volta e meia, metiam um agudo forte na melodia. O sol jogava seu manto amarelo por sobre a serra, aos poucos ia engolindo a cidade que com ele acordava. Passarinhos começavam a tagarelar na laranjeira do quintal. Era dia de feira livre, dia de fazer negócio, dia da compra e da venda. O carro deixava-se ver no limiar do horizonte, meus olhos brilhavam com os raios do rei supremo que ora os atingiam. Para chegar à minha residência, uma pequena ladeira exigia muito da parelha de bois, animais grandes, amarelo claro, par de cifres a quase tocar um ao outro. O rangido aumentava o tom, minha alegria crescia na mesma batida contagiante. Meu amigo chegava à porta, eu já me encontrava de pé a esperá-lo. Bom dia, compadre. Bom dia, respondia o homem fatigado da viagem. Enquanto para mim tudo aquilo era sublime, para o pobre serviçal não passava de penúria e obrigação. O homem descia do carro e me acompanhava até a mesa, tomávamos café enquanto conversávamos. Ele devorava os alimentos com ânsia, estava faminto, parecia que há dias era privado de alimentação. O que trás para feira hoje, compadre? Trago: rapadura, laranja, falinha de mandioca, requeijão e algumas abóboras. Como anda a vida por lá? Do mesmo jeito sempre, nada muda, muito trabalho e pouca diversão, faz parte da vida. Tenho saudade de quando eu morava na roça. Lá a vida é muito dura, boa talvez para o senhor que foi patrão, serviçal sofre muito, trabalho de dia e de noite. Em seguida, o homem já sobre a carga e a gritar com os bois terminava o percurso até a feira. Eu voltava à cama e continuava a sonhar acordado, lembrando-me da minha adolescência, queixando-me da minha velhice, chorando o tempo que passou.

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