abr
18
2017

Floriano Peixoto por Jaqueline Araújo em pura arte e muita nostalgia

Floriano Peixoto, meu avô, foi responsável pela Folia de Reis em Paramirim por mais de 50 anos. Juntamente com minha avó e outros companheiros da mocidade, fez dessa cultura uma tradição familiar, onde sua maior preocupação era perpetuá-la. Peixoto veio a óbito aos 79 anos, no dia 1 de março de 2017, por diabetes. Mas seus filhos, aprenderam a tocar zabumba, triângulo, flauta e outros instrumentos que compõe o Reisado. Meu avô, que ganhou o título de “Bico de ouro”, tinha a flauta como seu instrumento, e através dele conduzia a população na peregrinação pela cidade. Um de seus filhos, assim como ele, seguiu na flauta, como meu avô. Fazendo assim o renascimento dessa cultura tão rica, onde folclore, mitologia, contos e religiosidades, se entrelaçam de forma harmônica e fantástica.

O reisado sempre fez parte da minha vida. Mesmo residindo em salvador, minha mãe e eu íamos todo ano até Paramirim (palavra Tupi Guarani que quer dizer rio pequeno). E sempre fiz registros dos ensaios de Reis, o São João, a Alvorada, entre outras festas em que o reisado participava. Com o falecimento de meu avô, muitos sentimentos e lembranças se afloraram dentro de mim. Uma necessidade enorme de fazer parte dessa história. De deixar marcado quem foi esse homem que durante tantos anos, sem ajuda alguma de órgãos públicos, manteve com força e paixão essa cultura. De rememorar sensações, o cheiro do café moído, o som da lenha sendo cortada, o frio da noite, o galo e os passarinhos cantando a aurora.

Partindo dessas sensações, eu já sabia o que eu queria fazer. Então comecei a pensar sobre o tema, me aprofundar mais. Conversar com meus familiares de Paramirim, relembrar histórias com minha mãe. Qual suporte, qual a técnica e material. Mas antes iniciei os esboços. Partindo do chapéu do meu avô, o qual foi um pedido da minha mãe para ele, quando estava vivo. E iniciei scketch’s usando o chapéu e a flauta de meu avô. Fiz uma tempestade de ideias e a partir delas iam surgindo imagens. Mas o meu maior ativador foi a letra do reisado.

Dentro da minha pesquisa usei jornal (papietagem), e outros materiais alternativos, minha pesquisa teve base na cozinha. Lá em Paramirim, a cozinha é maior do que a sala da casa. Um lugar aconchegante, familiar. Todos que chegam, vão para cozinha. É onde todos se reúnem, é onde estamos maioria do tempo. Então, comecei testando alguns itens com pigmentos interessantes como o corante, o açafrão, e o café.

Encontrei na aguada de café a leveza que eu precisava. A técnica foi escolhida pela compatibilidade e pela simpatia. Visto que já havia experimentado o lápis de cor e lápis de cor aquarelável, encontrei nela a delicadeza que eu precisava.

De modo geral, as obras apresentam surrealismos, com um traço mais solto, sem a preocupação com o realismo.

Cumeeira (fig.01) e Despedida de Aurora (fig.03), são diretamente ligados a letra do reisado. Em Cumeeira, busquei retratar a textura do chão rachado como se ele fosse o céu. E o céu no chão. O trecho da música diz “essa casa está bem feita, só lhe falta a cumeeira. Dentro dela moram duas pombas verdadeiras”. Em Despedida de Aurora, vislumbrei esse momento da despedida, visto que o reisado é cantado em dois momentos: dentro e fora da casa. Sendo que dentro, ele se despede do dono da casa que gentilmente, recebeu o reisado. Minhas raízes fincadas ao chão logo abaixo do carro de boi, esse carro carregado de lembranças, religiosidades e crenças.

Em Pé de Umbuzeiro, Fig.02, relembro a minha avó que fazia doce de umbu para vender. Lá no quintal tem um pé de umbuzeiro onde ela armava o fogo com blocos para mexer o doce, porém o umbu usado não saia daquela árvore, pois ela não dava umbu suficiente para tal. Fazendo com que minha avó fosse catar a fruta em outra região. Trago a minha representação dela de verde, a direita da tela, sobre o chapéu do meu avô. As folhas voam remetendo-me às lembranças, visto que meus avós já são falecidos. Essas folhas que se configuram em bandeirolas, levando minha lembrança ao período junino. A mão que sustenta o chapéu, formada por galhos de árvore. Pouco se fala da minha avó quando se trata do reisado, e ela foi um dos pilares para que ele existisse até hoje. Pelo machismo da época, os méritos eram dedicados ao marido. Mas foi ela que, por exemplo, criou o mastro.

A Gaita (fig.04), o fogo que queima traz morte, do gaiteiro Peixoto, mas também traz vida pois sua cultura renasce em seus filhos e netos. O fogo representa renascimento. Ao fundo, apenas uma flauta sobressai: a do bico de ouro.

Texto e Imagens: Jaqueline Araújo.

Aperte aqui para conhecer Jaqueline Araújo no Facebook.

Fig.01 – Cumeeira. Tam. A3, aquarela, aguada de café, lápis de cor e lápis aquarelável.

Fig.02 – Pé de Umbuzeiro. Tam. A3, aquarela, aguada de café, lápis de cor e lápis aquarelável.

Fig.03 – Despedida de Aurora. Tam. A3, aquarela, aguada de café, lápis de cor e lápis aquarelável.

Fig.04 – A Gaita. Tam. A3, aquarela, aguada de café, lápis de cor e lápis aquarelável.

Deixe um comentário usando sua conta do Facebook




Deixe um comentário usando o Formulário do Site